Sobre a Presença e a Ausência: Uma Reflexão Sobre o Isolamento e o Distanciamento Social Durante o COVID-19

AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

In. Carlos Drummond de Andrade Livro: Obra poética, Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989.

 

Quando para conter o coronavirus, medidas de isolamento e distanciamento social foram colocadas em ação, um medo comum se pronunciou: o medo da solidão, o medo causado pela sensação de abandono, a dificuldade de cuidar de si sem o cuidado do outro, o medo de não ter um estímulo do outro, o medo de ficar distante das pessoas sem suporte da família e amigos. Essa ausência de contato físico, imposto pela quarentena, pode causar ainda ainda mais ansiedade e depressão naqueles que estão distantes da sua casa/ pátria de origem, distantes da família e grupo de amigos, e que não possuem vínculos significativos no país que residem. Medos novos surgiram com a pandemia do COVID-19, medos novos que são velhos medos. Um dos grandes desafios do ser humano consiste em aprender a cuidar de si mesmo. Mas a capacidade de cuidar de si mesmo e ser feliz na presença da própria companhia, de acordo com o psicanalista Winnicott é uma maturidade emocional que depende do cuidado que você recebeu na sua vida, principalmente durante a sua infância, mas mesmo assim é importante ressaltar que, segundo Winnicott, a independência nunca é absoluta, nem na vida adulta. O indivíduo sadio é aquele que não se torna isolado, mas que se relaciona com o ambiente de modo equilibrado: reconhece a sua identidade e autonomia mas também a necessidade da presença do outro e depedência das pessoas e ambiente social ao sua volta.

Como manter esse equilibrio emocional durante a pandemia do covid-19? É preciso manter a interação social e a presença do outro, mesmo que virtualmente. Mas é também importante conseguir ficar sozinho e se isolar para ter conversas consigo mesmo, ouvir e respeitar as suas necessidades e limites do outro. Para assim também estabelecer e respeitar limites de interação com outro, virtualmente e na sua própria casa, já que o confinamento em casa pode ser muito intenso ao conviver 24 horas por dia, durante muitos dias, no mesmo espaço com “flatmates”, parceiros, filhos, etc. sem espaço para si próprio.  Saber lidar, sem angústia, com essa alternância entre “presença-ausência” do outro, controlar o “ON/OFF” do mundo virtual,  encontrando a possibilidade de se afastar um pouco do mundo real e virtual, para entrar em contato consigo mesmo, com a sua realidade subjetiva, repousar a mente e o corpo, refletir e encontrar o seu equilibrio, sem que isso significa perder-se nos seus pensamentos e no isolamento total. Não seja prisioneiro dos extremos, aprenda a lidar com as ambivalências da vida, perceba os aspectos positivos e negativos desse momento, entenda que pois todo começo tem um fim. E com referência a Freud no “Mal Estar da Civilização”, toda a crise gerada polo COVID-19 traz a oportunidade de mudanças individuais, relacionais, globais e profundas no nosso modo de viver, interagir, e de sentir a presença e a ausência. Então a minha mensagem final para você é: aprenda a driblar a distância físca com a presença e o contato virtual equilibrado e use esse momento para se conhecer melhor e refletir: você sente falta de quê? O que você deseja para sua vida. Não tenha medo das respostas. Nossos sonhos e desejos não têm limite.

Finalizo com um outro poema, o de uma professora irlandesa-americana que viralizou nos grupos de WhatsApp. A professora aposentada, Kitty O’Meara, num esforço para conter sua própria ansiedade em meio às notícias estressantes da pandemia do COVID-19, escreveu essa poesia. O resultado, que ela postou em seu Facebook pessoal, tem sido amplamente lido em todo o mundo, oferecendo esperança de que algo de bom possa sair desse momento ruím e estado coletivo de estamos “juntos, separados”:

And People Stayed Home

And the people stayed home. And read books, and listened, and rested, and exercised, and made art, and played games, and learned new ways of being, and were still. And listened more deeply. Some meditated, some prayed, some danced. Some met their shadows. And the people began to think differently.

And the people healed. And, in the absence of people living in ignorant, dangerous, mindless, and heartless ways, the earth began to heal.

And when the danger passed, and the people joined together again, they grieved their losses, and made new choices, and dreamed new images, and created new ways to live and heal the earth fully, as they had been healed.

 

 

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